Ao longo dos tempos tem sido afirmado gaiatamente que o barranco teve considerável influência na formação da personalidade e do caráter do gaúcho. Embora até hoje nenhum grande nome do mundo da psicologia tenha abordado a questão com a devida profundidade – o único a se manifestar sobre o tema foi o Analista de Bagé, consagrado personagem de Luis Fernando Veríssimo, mas a sua avaliação pode ser considerada um tanto parcial, por motivos óbvios – o assunto é motivo para piadas e brincadeiras de toda a ordem.
Independente da confirmação ou não dessa pretensa teoria, no entanto, convém observar outras influências das mais ternas tradições do Estado na vida moderna do gaúcho. Um exemplo disso pode ser notado na atitude dos motoristas rio-grandenses quando ao volante, especialmente nos momentos de arrancar com o veículo após a abertura do sinal em meio a um trânsito cada vez mais caótico a espera do chamado colapso – quando tudo vai parar e não haverá mais como se ir, a não ser a pé.
Invariavelmente, nestes momentos o motorista gaúcho - sempre apressadinho, espertinho e malando - demora um tempo exagerado para movimentar o seu carro. Primeiro, ele não está atento para a abertura do sinal e só se dá conta da mudança de cores quando ouve a buzina dos carros atrás do seu. Aí o motorista que é o primeiro na fila da sinaleira vai conferir se o sinal abriu mesmo. Na seqüência engata a primeira para dar início à movimentação do carro e começa o processo de arrancada.
Nessas horas, depois de uma demora descabida e infindável – especialmente para os motoristas atrás dele, sempre apressados e prontos para jogar o carro em cima do da frente – parece se manifestar claramente outra influência das origens campeiras do povo desta terra. A forma lenta, quase parando, com que os motoristas fazem o seu carro se mover logo após a abertura do sinal pode evocar muitas coisas – bobeira, preguiça, desatenção, desinteligência, desconsideração para com os demais motoristas na fila atrás dele, etc. – mas a mim lembra uma figura tradicional do Rio Grande do Sul: o carreteiro.
A minha teoria é de que o motivo que leva os motoristas gaúchos a serem tão lentos e modorrentos na hora de arrancar com o carro após o sinal ficar verde é a lembrança saudosa e a herança genética do condutor da carreta. Por momentos o motorista se transporta para algumas décadas ou centenas de anos no passado e recorda do tempo em que precisava gritar alto e insistentemente “êra boi, êra boi” (é êra mesmo e não uma conjugação do verbo ser) e usar a “guilhada” – uma vara comprida com uma espécie de prego afiado na ponta – para fazer os bois se mexerem.
Bom, essa era a primeira parte. Se fazer os bois se moverem era um custo, imagina obrigá-los a andar rápido. Nem pensar! O movimento inicial da carreta, geralmente com os eixos de madeira chiando pelo contato com as rodas também de madeira, era o que se pode chamar hoje em dia de câmera lenta. Muito vagarosamente a carreta começava a andar e seguia de forma lenta num irritante chiado constante pelo roçar da madeira na madeira.
Ao ver os motoristas gaúchos, sempre apressados e agitados, repito, locomoverem seu carros de forma tão lenta ao saírem da sinaleira, não consigo deixar de me lembrar das carretas que povoaram a minha infância e de comparar os condutores dos modernos automóveis aos rudes carreteiros de antigamente. E isso me leva a crer que a afirmação maldosa sobre a influência do barranco na personalidade do gaúcho possa ter algum sentido. Caso contrário, de que outra forma é possível explicar esse complexo de carreteiro manifestado pelos motoristas gaúchos em pleno século XXI?
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