10 de jul. de 2008

Efeito suspensivo

Sentado sobre os calcanhares no topo da coxilha, “bombeando” a criação, Seu Pompílio pensava no filho que acabara de nascer. O guri chegou, assim, na madrugada, meio no susto, e ele teve que sair às pressas em busca da parteira e das comadres pra auxiliar no parto. Não que a dona Antonieta fosse se assustar, afinal de contas esse era o seu oitavo filho nos vinte anos de casados. Mas ele não queria participar daquela sangueira e nem gostaria de ver a companheira sofrendo, muito menos sozinha. Apesar de saber quanto “Toninha” era forte, o que pudera constatar nos inúmeros contratempos proporcionados pela vida campeira no interior gaúcho, ele entendia perfeitamente que nesses momentos uma mulher se fragiliza e precisa de outro tipo de apoio que não poderia ser dado por ele. Por isso ficava mais tranqüilo com “as comadres” na casa.

Depois que a ajuda chegou e começou a correria da mulherada providenciando toalhas, água quente e se desdobrando para conter a gurizada que queria saber o que estava acontecendo, ele sossegou um pouco, ainda apreensivo com a situação da patroa. Só se acalmou mesmo quando ouviu o choro do piá e foi chamado para ver o novo rebento. Era um guri saudável, meio murcho como todo o recém-nascido, mas inteiro – o que era mais importante. Depois de dar uma olhada no filho novo, segurou a mão da mulher, passou carinhosamente a outra mão no seu rosto e saiu do quarto. O pior já havia passado e agora era dar um jeito de manter a criança saudável e alimentada, além de controlar o resto da “piazada” nesse dias em que Dona Antonieta ficaria de resguardo.

Quando clareou o dia, Seu Pompílio tomou umas duas ou três cuias de chimarrão no galpão dos fundos, esquentou as mãos no fogo de chão e foi observar a lida. Depois de concluída a função de tirar o leite e encaminhar as vacas para o pasto, decidiu dar uma volta pela propriedade pra espairecer e pensar na vida. O sol já tinha nascido quando chegou ao topo da pequena coxilha, localizada à direita da casa principal, a menos de dois quilômetros de distância. Enquanto pensava na nova situação, ouviu o ruído de galope. Era o compadre Juca, vizinho mais perto, que chegava pra cumprimentar pelo nascimento do guri.
- Pos olha, vivente! Estava aqui pensando num nome pro novo piá. Os de santo, que eu gosto, já usei todos. Agora ta ficando difícil, explicou.
- Mas porque se preocupar com isso logo agora, compadre? Deixa pra depois! Ainda é tempo de se comemorar a chegada do menino, comentou o visitante.
- Ta certo! Mas eu quero colocar um nome diferente no piá. Um nome moderno.
- Bueno, pode ser! Fica tranqüilo que a gente le ajuda depois.
- É, mas tá difícil. Já nem sei se tá me faltando idéia ou sobrando filho. Mas não to achando um nome dos bom. Nas outras vezes foi mais fácil. Vamos pra casa, tomar um café?

Enquanto as mulheres ainda continuavam agitadas com o parto, os dois se instalaram na cozinha simples, junto à mesa de tronco ao lado do fogão a lenha. Tomaram café passado, com leite fervido, em canecas de “louça”, acompanhado de pão de trigo, lingüiça, queijo e “chimia”. Depois foram sentar nos fundos, no pequeno pátio entre a casa principal e o galpão maior, aproveitando o sol morno do início da primavera pra fumar um “palheiro”.

Mais uma vez o vizinho chamou a atenção para o fato de seu Pompílio ainda não contar com luz elétrica em sua casa – o que já fazia alguns anos. Pra ele, “luz a gente tem com o sol e quanto escurece acende um lampião”. Apesar disso, não recusava os benefícios da energia: Tinha instalado “um bico de luz” no galinheiro pra “esquentar os pintinhos no inverno”, como gostava de alardear. A energia elétrica também bombeava água do poço artesiano para uso da família. Porém, luz dentro de casa, nem pensar! Televisão ele mal conhecia e rádio, só de pilha, pra ouvir “jogo do colorado e as notícia”.

Foi justamente num desses noticiários repletos de informações sobre a situação nacional, CPIs, mensalão, mensalinho e impi... (como é que é mesmo? Bueno, querem apear o presidente do poder), que ele achou um nome interessante: “Efeito Suspensivo”. Analisou longamente e concluiu que esse nome serviria pro novo filho. Explicou pra Dona Antonieta que considerava um nome garboso, moderno e diferente.
- Diferente sim, concordou ela. Mas tu sabes o que significa isso?
- Bueno, saber em não sei! Mas isso é o de menos. O guri também nunca vai saber!

Seu Pompílio tinha consciência de que um filho seu dificilmente conseguiria sair daquele local pra ser alguém “na cidade”, como dizia. Estudar era só até aprender a ler, escrever e fazer conta de somar e multiplicar. Depois disso, como os demais, ia ajudar na lida a fim de assegurar o “pão nosso de cada dia” na mesa. O resto, para ele, era apenas estória. Como as que ele ouvia no “noticiário” e das quais pretendia deixar os filhos bem longe enquanto pudesse. Considerava melhor manter a filharada por perto, “dentro da linha”, do que deixar que se fossem “a la cria” mundo afora, onde poderiam acabar fazendo aquelas mesmas bandalheiras que o rádio contava. “Tá loco!”, pensava enquanto tirava o chapéu e olhava para o céu, como a pedir desculpas “pro patrão velho lá de riba”.

Um comentário:

  1. Simpático esse Seu Pompílio. Colorado e comedor de chimia! Chimia? Fazia bem uns trinta anos que eu não ouvia essa palavra. E olha que eu gostava de detonar um pão com chimia.
    É um belo texto, recheado do bom e saudoso linguajar gaúcho.
    Mas, que mal lhe pergunte, que fim levou o Efeito Suspensivo?

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